COLAGENS 
 

(Publicada em 26 de setembro de 1.998) 

Ando por aí como quem não quer nada. Ficarei sem jeito se perceberem que quero tudo. Entretanto, com uma caneta e com um papel, não me importo em dizer que quero tudo. É o meu jeito de dizer o que quero, é assim que consigo exteriorizar mais de mim. Ainda há coisas que calo, ainda há coisas que não contei e que vivem insistindo em conhecer um leitor, ainda há coisas que não sei bem como contar. Mato-me cada vez que finjo não ouvir as vozes que vêm de mim. Às vezes mato-me por não compreendê-las bem; às vezes não as escuto por covardia.

Aonde quer que eu vá, não saio de casa, apenas passo para um outro cômodo. Quero o mundo, quero conhecê-lo. E para que eu conheça algo, tenho de passar algum tempo com ele. Não posso afirmar que conheço alguém sem passar um mínimo tempo com esse alguém. Quanto mais tempo eu passar com esse alguém, mais vou conhecê-lo, mesmo sabendo que jamais vou conhecê-lo totalmente. O mesmo vale para o conhecimento que tenho de mim. Se eu me dedicar a mim mesmo, daqui a dez anos vou saber mais de mim do que sei hoje. E morrerei sem saber tudo.

Posso ainda não conhecer alguém, mas conhecer o seu trabalho. Não conheci Fernando Pessoa. Entretanto, sua obra me arrebata. Quanto mais eu me debruçar sobre sua obra, mais vou me encantar com o ser que criou tal trabalho. Gosto dele pelas suas obras, pois é essa a faceta que conheço dele. Minha relação com Deus é a mesma. Não O conheço, mas tenho uma reverência e uma curiosidade intrínsecas pelas coisas. Procurar conhecer as coisas é meu modo de me interessar por Deus. É por isso que me interesso por gente, por bicho ou por estrelas. As coisas estão em toda parte. Quero destrinchá-las. Destrinchando-as, pode ser que eu conheça a essência Daquilo que as fez. Que venham as coisas. Quero as ler. Quero ler o mundo. Afinal, torno-me aquilo que leio.

Leitura e reflexão. Refletir é ensinar para si mesmo, e se você não compreende à sua maneira, você não pode ensinar. Os costumes mudam; as essências não. E as essências estão mais perto do que a gente suspeita. Vai além quem muito bem vive o aquém. A história é feita de improbabilidades. As possibilidades só se exaurem quando não são experimentadas.

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