Minha
capacidade de concentração
nunca foi fenomenal,
mas não é
das piores. Nunca tive
problema para estudar
ouvindo música
ou ler uma apostila
dentro de um ônibus.
Até um dia desses
eu achava que barulho
não me atrapalhava
mesmo a me concentrar
num estudo ou na feitura
de uma prova. Engano.
Era uma
noite de quarta. Noite
quente, sem vento nem
brisa. A sala estava
lotada e a prova era
trabalhosa, longa, exigia
que se escrevesse muito.
Comecei a responder
as questões.
Um barulho ou outro,
como é comum,
acontecia. De vez em
quando alguém
batia na porta da sala,
causando a reclamação
de alguns. Por mim,
tudo bem. Entre um barulhinho
e outro, nada demais.
Os papéis em
que a prova foi impressa
produziam seu ruído
típico quando
manejados. Daqueles
que estavam mais perto
eu podia escutar a borracha
sendo usada. Tudo parecia
ser mais um trivial
dia de prova.
De modo
incomum, o professor
me pediu para sentar
no fundo da sala. Fui.
Nem a primeira questão
da prova havia sido
resolvida, comecei a
ouvir um barulho. Vinha
de um colega que estava
na fileira a meu lado,
a minha direita. Era
o barulho de uma embalagem
que parecia ser de plástico.
A embalagem estava no
bolso dele. Em espaços
compassados ele, com
a mão esquerda,
ia até o bolso
esquerdo da camisa,
pegava algo lá
dentro – momento
em que fazia o barulho
– e colocava qualquer
coisa na boca. Pensei
se tratar de amendoim,
depois pensei que pudesse
ser algum tipo de bala...
De qualquer modo, já
que o barulho estavam
me incomodando, atrapalhando-me,
decidi tentar relaxar,
na crença de
que em pouco tempo as
balas ou sei lá
o quê acabariam.
Ilusão.
Eu já
não sabia mais
o que fazer. Ele movia
a mão, colocava-a
no bolso (argh!), remexia
e retirava o produto.
O que pensei que duraria
alguns minutos não
acabava mais. Quando
eu percebia que ele
estava mastigando, aproveitava
para tentar raciocinar.
Nem um minuto se passava
e ele reiniciava os
movimentos fatídicos.
Aquilo foi me irritando.
O tempo ia passando
e eu não conseguia
deixar de me sentir
incomodado. Cheguei
ao ponto de prestar
mais atenção
no banquete dele do
que em minha prova.
Eu já estava
praticamente marcando
o intervalo de tempo
entre uma retirada de
mercadoria do bolso
e outra.
Armado-me
com olhares os mais
ríspidos possíveis,
eu tentava fazer com
que ele percebesse minha
indignação.
Se percebeu, não
deu a mínima.
Bolso sem fundo não
existe, mas que bolso
gigantesco era aquele?
E o que havia na embalagem
de plástico que
não acabava mais?
Quando meu desespero
já não
suportava mais se calar,
ele acabou.