Foi peremptório:
“Compre este livro.
Se você não
gostar, eu te restituo
o dinheiro”. Comprei.
O dinheiro não
foi restituído
– o livro não
foi lido ainda. “Lavoura
Arcaica”, de Raduan
Nassar.
Ele está
guardado, aguardando
leitura. Mas não
por muito tempo. Recentemente,
li uma entrevista com
ele e fiquei maravilhado.
Alguns trechos cito:
“Que
fique bem claro que
me lixo para essa entidade
que se identifica com
o que está aí
e que porta o elegante
nome de ‘homem
moderno’, que
mais parece grife de
moda”.
Outro:
“Não se
faz literatura para
valer com paixão
requentada”.
Mais
um: “Ficou difícil
ler alguma coisa nos
últimos anos
por causa da diarréia
antidiscursiva que acabou
atacando também
a prosa. É uma
palavra solta aqui,
é outra sem qualquer
nexo lá, uma
poesia que uma hora
é pintura, aí
já não
é mais pintura,
é música,
é eletrônica,
é o escambau.
Confesso que não
tenho recursos e nem
paciência. Fico
até me perguntando
se esses poetas imaginam
que o leitor deve se
debruçar a vida
toda sobre o que eles
fazem, para poder sacar
alguma coisa. Me pergunto
também se não
existiria algo de comum
entre essa moda antidiscursiva
e subnutrição
mental. Continuo pensando
que as palavras, como
os indivíduos,
só ganham força
quando se organizam
ao lado das outras.
Mas o desmanche não
vem acontecendo só
na literatura e nas
oficinas de carros roubados”.
Sobre
ter abandonado o curso
científico, o
curso de letras, o curso
de direito, a empresa
familiar, uma criação
de coelhos, outras coisas
e a literatura: “Por
que só quando
abandonei a literatura
eu teria me transformado
em personagem fascinante?
Não é
esquisito?”
Mais:
“De um modo geral,
acho que os professores
transferem para os alunos
gostos e critérios
pessoais, o que acaba
formando um rebanho
destinado a adorar certos
nomes. Talvez se devesse
treinar o aluno a pensar
com a própria
cabeça, a ser
ele mesmo na sua relação
com as leituras –
supondo-se, é
claro, que o professor
também conseguisse
pensar com sua própria
cabeça”.
Para
fechar: “Os autores
que constam dos currículos
escolares acabam desumanizados,
são transformados
em pequenos deuses.
O resultado disso é
que o próprio
ato de escrever é
sacralizado, quando
escrever é uma
atividade como qualquer
outra”.