BREVÍSSIMO ROMANCE 
 

(Publicada em 13 de outubro de 1.997) 

Quando nasceu, ela era a queridinha da família, paparicada até pelo papagaio, que não enfrentou dificuldades ao aprender a falar o nome dela. Cercada de cuidados mil, mas sempre frágil, Ana Rita por pouco não vem a saber o que é ser adulto e suas implicações, por causa de inúmeras doenças que faziam com que sua infância fosse uma sucessão de corredores de hospitais e correrias pela madrugada. Os pais já não sabiam mais o que fazer, mas faziam de tudo.

A filha chegou frágil à adolescência. Embora esperta, não conseguia não se achar desprovida de atrativos. Tornou-se livresca, ensimesmada. Quis tornar-se escritora, e logo arriscou a feitura de um romance que contava a história de um homem que jamais conseguira deixar de amar sua primeira professora. Enquanto chafurdava nas palavras, Ana brilhava na escola e não se aventurava num relacionamento.

Terminado o romance, já com seus 19 anos, ela não teve coragem de mostrá-lo a ninguém. Guardou-o na gaveta durante um pouco mais de um ano, depois o tornou cinzas, enquanto cursava mecatrônica. Após 2 anos, abandonou o curso, foi morar na casa de um tio, no interior do Paraná. Ficou lá 8 meses, e lá sentiu-se cortejada pela primeira vez. Por um momento, quase se rendeu aos galanteios de um jovem do local. Ao ser pedida em namoro, ela disse não, esmagada por um milhão de dúvidas. Por pouco ele a veria chorar, e chorar muito, após se trancar no quarto, culpando-se.

Voltou para a casa dos pais, arranjou um emprego. Trabalhava num supermercado. Cabulava as tradicionais festinhas dos colegas de serviço. Nas horas em que precisava desabafar, pensava em escrever coisas num diário, mas tinha medo de ele cair em mãos outras após sua morte. Quando a barra pesava, ela colocava “Alucinação”, do Belchior, num volume alto e cantava junto, o que a tornava melhor.

Voltando do trabalho, ela passou numa loja e comprou um vestido que há muito vinha paquerando. Jurou para si mesma que a estréia seria em grande estilo, numa das sessões cinematográficas do fim de semana, ainda que estivesse desacompanhada. Sorriu consigo e apertou o passo. Na calçada, um carro sem governo a atropela. Hoje, ela não existe mais.

anterior      próxima                  
® 2005 
-   -  Lívio Soares de Medeiros  - Todos os Direitos Reservados