Eu acho
que já escrevi
o que estou prestes
a escrever. Posso ser
acusado de plagiar a
mim mesmo; posso ser
acusado de estar plagiando
alguém por aí.
Correr o risco? Não
sei se deveria. Mas
aí vai:
A gente
se denuncia o tempo
todo. (A sensação
de que já escrevi
a frase que está
antes da abertura do
parêntese é
mesmo tão forte
que até me ocorreu
a idéia de que
no suposto texto anterior
eu havia escrito nós
nos denunciamos o tempo
todo. Quase não
há dúvida
– eu já
escrevi essa frase antes,
ou uma muito parecida.
Também acho que
já escrevi a
próxima, em que
penso agora e que virá
assim que eu fechar
o parêntese.)
Mas não sabemos
ler o que somos e o
que os outros são.
Somos maus leitores
de nós mesmos
e dos outros. Aprendemos
a enganar os outros;
aprendemos a nos enganar.
(Termina aqui a sensação
de que estou escrevendo
algo já escrito.
O resto que vem por
aí deve ser coisa
nova.) Disfarces, máscaras,
traços, copos
de cerveja ou roupa
bonita. A gente se esconde.
Esconder-se é
só um outro modo
de se revelar.
Sempre
que termino um e-mail
ou sempre que escrevo
meu nome num papel,
passo um risco por baixo.
O motivo por que faço
isso é bobo,
prosaico.
Certa
vez, alguém fez
comigo um desses testezinhos
de psicologia. Eu ainda
era menino. Talvez adolescente.
Uma das tarefas do tal
teste era desenhar uma
árvore. Desenhei
a árvore e a
mostrei – não
me lembro para quem.
Diagnóstico do
“especialista”.
“Repare: sua árvore
está suspensa,
pairando, sem uma base
para se apoiar. Isso
mostra que você
é inseguro”
(sic). Achei um absurdo.
Argumentei que mesmo
alguém sendo
inseguro, não
era a falta de traço
por baixo de um desenho
de uma árvore
que denunciaria essa
insegurança.
A pessoa não
concordou.
Então,
pensei comigo: “Não
há de ser nada
não. Quando alguém
vier com esse ‘teste’
de novo pro meu lado,
finjo que não
o conheço e vou
logo meter um traço
debaixo da árvore
ou de que desenho for”.
Eu sabia que passaria
um traço sem
exageros, para que parecesse
mais convincente, espontâneo.
Anos se passaram. Enquanto
a chance para a revanche
não chegava,
fui sendo submetido
a outros testes. Num
deles, tive de fazer
um desenho de acordo
com as especificações
da professora, que ditou:
“Olhos grandes.
Pernas curtas. Rabo
comprido”... Eu
não atinei que
as características
pertenciam a um único
ser, de modo que fui
desenhando isoladamente
as partes da criatura,
separando-as em pequenos
quadrados. Diagnóstico:
“Você se
sente dividido, não
sabe o que quer. Quer
abarcar tudo e realiza
pouco. Ora está
aqui, ora ali. Ora quer
isso, ora quer aquilo”.
Certíssimo.
Entretanto,
tive mesmo a chance
de me “vingar”.
Diante daquela mesma
tarefa, a de desenhar
uma árvore, coloquei
um traço debaixo
dela. Diagnóstico:
“Este traço
debaixo da árvore
mostra que você
é firme, decidido”.
Contei então
o ocorrido no teste
da árvore anterior,
e completei dizendo
que se o teste fosse
mesmo tão eficaz,
o analisador teria percebido
meu engodo; se o teste
fosse mesmo eficaz,
o traço teria,
de algum modo, denunciado
a mentira. Faltou competência
para o “analista”
ou para o “teste”
ou para ambos. Com um
simples traço,
fingi uma segurança
que eu não tinha
na época e que
não tenho até
hoje – sou mesmo
muito inseguro. O tracinho
é só para
fingir que sou seguro.
Assim sendo...