Quando
ele chegou, era ainda
muito pequeno. Nem conseguia
se virar direito por
conta própria.
Chegou aborrecido, manhoso,
medroso. Tive de ter
muita compreensão
e paciência para
aceitar sua incompreensão
e impaciência
diante de minha presença.
Levou mais ou menos
um mês para que
ele demonstrasse me
considerar um membro
da família que
ele então passara
a integrar.
Desde
sua vinda ficou bem
claro que meu irmão
tornara-se seu melhor
amigo. Ele o alimentava,
matava sua sede, cuidava
dele. Entre os dois
ia se solidificando
uma amizade profícua.
Ao vê-los, eu
freqüentemente
me lembrava de um trecho
de Borges: “A
amizade dos homens,/a
devoção
dos cães”.
Embora me vendo praticamente
o dia inteiro, ele se
mantinha distante de
mim, provavelmente estranhando
meu jeito de caminhar.
Fui o último
da casa a que ele se
afeiçoou. Quando
isso ocorreu, pudemos
apreciar juntos bons
momentos, ocasiões
memoráveis e
engraçadas.
Seu corpo
crescia rápido;
sua habilidade ia, aos
poucos, proporcionando-lhe
realizar travessuras
que deixavam furiosa
minha mãe. Às
vezes eles se desentendiam,
mas logo voltavam a
se entrosar. Quando
nós, os integrantes
da família, estávamos
com ele, nos soltávamos,
cada um a seu modo.
O tom de voz era luxento,
dengoso. Conversávamos
com ele o tempo todo,
mesmo recebendo em troca
apenas olhares e gestos.
Não havia diálogo;
entretanto, havia reciprocidade.
Ele nos entendia, confiava
em nós.
É
curioso. O tom de voz,
o modo como tratamos
os cães. Muitas
vezes, agimos semelhantemente
com as crianças.
Os infantes e os cachorros
deixam-nos à
vontade para sermos
bobões, meninões.
Segundo Chaplin, “as
crianças e os
cachorros são
os melhores atores em
filmes”. Eles
desconhecem o que é
ser ridículo,
o que traz à
tona o ridículo
e o carente que somos.
Já vi carrancudos
se derreterem com seus
pimpolhos.
Nick
foi trazido pelo meu
pai, que não
fechou o portão.
Nick foi atropelado
há algumas madrugadas.
Meu irmão foi
quem o encontrou morto,
sangrando próximo
ao meio-fio. Meu irmão
conversa enquanto sonha,
e já pude ouvi-lo
brincar com o Nick.