OUTRA VEZ, NO ÔNIBUS 
 

(Publicada em 9 de maio de 1.998) 

Entre 17h30 e 18h. Finalzinho de tarde quente demais. Quando entrei no ônibus, ele já estava cheio. Passei pela roleta e fui para a parte da frente, esgueirando-me pelas brechas. Achando um lugar ideal, eu me mantinha distraído. Quando o ônibus chegou à parada seguinte, o cobrador já começara a pedir aos passageiros para dar um passinho para a frente. Esses passinhos trouxeram uma morena alta, cabelos encaracolados, usando minissaia curtíssima, feita de um pano espesso que esticava. A camiseta branca era cavada.

Figura delgada, toda atraente. O andar do ônibus trouxe mais uma parada. Um cara todo cheio de ginga, mascando chiclete, apareceu. Foi logo começando a falar palavrões para a morena. Só que minha distração era tanta; demorei a perceber que o que ele estava dizendo era para ser ouvido por ela. Só comecei a prestar atenção no sujeito quando percebi trocas de olhares entre os passageiros que estavam por perto. Uma senhora fazia uma cara indignada; um senhor, portando uma maleta, sorria; outro passageiro mais jovem encarava o falastrão com expressão austera. Foi essa trama que me fez perceber que o garotão estava no comando do show.

A vida prosseguia. Às vezes, rápida; às vezes, com solavancos e sustos; pouco depois, uma parada repentina... Assim íamos sendo levados. A morena esbelta parecia estar toda sem jeito. Sestroso, o conquistador se aproxima dela mais ainda, valendo-se dos tradicionais passinhos para frente a que nós, passageiros de ônibus, estamos acostumados. Desvairado de vez, ele passou a mão na bunda dela. Os que estavam por perto entreolharam-se e olharam para a garota e para o rapaz. Ele deve ter uns 26 anos; ela, uns 19.

Recebendo um olhar irritado dela, sentiu-se ele à vontade. Novamente passou a mão nela. Calada, virou-se de modo que parecia disposta a tentar se defender, caso um novo ataque fosse empreendido. De minha parte, pensei até em me intrometer, passando-me por namorado dela. Mas isso deveria ter sido feito logo quando ele começou a falar os palavrões. Pensei também em dizer que se ele continuasse eu daria um murro na cara dele. Mas rapidamente abandonei essas idéias. Eu não queria comprar briga nem apanhar.

Quando a morena se preparava para descer, quem foi junto?... Ele mesmo, o mascla-chiclete de camisa toda desabotoada. Ela, preparada para descer; ele, encostado nela. Ela desceu. Ele também. Mais dois passageiros abandonaram o ônibus. A morena caminhou. Ele foi atrás e lhe disse algo. Ela parou e conversou com quem parecia ser uma amiga. Ele, antes de prosseguir, aproximou-se do ouvido dela, falou algo e foi embora, assim como o ônibus.

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