PAI 
 

(Publicada em 4 de agosto de 1.997) 

“Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Assim Tolstoi começa “Ana Karênina”. Do arrebatador começo, não me esqueço, e quando a Simone, redatora de “O Tablóide”, pediu-me para escrever uma crônica sobre o dia dos pais, logo me lembrei da frase de Leon Tolstoi.

Não sou pai, e toda idéia que eu tiver sobre a paternidade virá de minha experiência de 26 anos como filho. Certamente isso explica o fato de eu apelar para citações ao escrever acerca do dia dos pais. O que vier, se é que virá, será a visão de alguém que se vale de sua imaginação e não tem conhecimento algum do que é ser pai. “Se meu filho nem nasceu eu ainda sou o filho”, de acordo com a música do Ira!.

Há um filme chamado “Minha Vida”, em que Michael Keaton interpreta alguém sabedor de sua morte que ocorrerá muito em breve. Prestes a se tornar pai pela primeira vez, ele passa a registrar imagens suas para que seu filho possa vê-las, para que a criança possa saber como era o pai dela. Paralelamente, ele, o personagem de Keaton, revê a relação com o pai, assume que entre os dois há coisas que não foram resolvidas, foram adiadas, caladas – o que gerou um distanciamento e uma certa frieza entre os dois. Quando se vê perto da morte, o personagem de Keaton consegue quebrar o gelo, aproxima-se de seu pai ternamente, disposto a perdoar o velho; ele consegue superar velhas mágoas, assume os defeitos seus, aceita os dele.

A carapuça serviu direitinho. Saí do cinema pensativo, refletindo em minha condição de filho. (Meu pai acabou de chegar.) Pensei em adotar uma atitude semelhante à do personagem do filme em minha vida. Até hoje isso não ocorreu. Tenho medo de, numa bela manhã, perceber que não tive coragem o bastante para quebrar o gelo; verificar que já é tarde demais. Eu agradeço a vida que tenho e as chances que ele me deu, embora ele não saiba disso.

Com relação à árdua tarefa daqueles que se propõem a ser pai, cito Artur da Távola, de sua “Oração do Pai Contemporâneo”: “Às vezes, Pai, penso em não interferir. Deixar o que há neles de seu, de atávico, hereditário e intransferível ir ensinando. Mas venho de um tempo em que ficou moda deixar a criança entregue a si mesma ‘para não frustrar’. Vi esses meninos ‘sem frustração’ crescidos, afundando-se na desagregação, berrando solidão, e o ‘me protege, pai’, ‘me protege, mãe’, disfarçados em agressividade, autodestruição e negação sem afirmação compensatória”.

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