A
fotografia fez com que
eu passasse a exercer
com mais capricho o
sentido da visão. Com
a fotografia, aprendi
a reparar tanto em minúcias
quanto em vastas paisagens;
passei a descobrir meu
quarto, minha casa,
a cidade. Quanta variedade
e fartura pode haver
em meio metro quadrado...
A fotografia
me possibilitou vivenciar
de modo muito forte
crenças que eu vinha
mantendo há muito tempo.
Pensamentos como o de
que a beleza está bem
aqui do lado, de que
não é preciso ir longe
para buscá-la; pensamentos
de que a maior das trivialidades
pode ser vista de uma
forma rica...
Antes
da fotografia, minha
visão era voltada quase
que exclusivamente para
o interior. Depois dela,
passei a me voltar também
para o exterior. Meu
interior gostou. Por
intermédio da fotografia,
ampliei-me. Ainda que
tarde, percebi, por
exemplo, que por aqui
os céus de agosto quase
não contêm nuvens. Quando
contêm, elas são na
maioria das vezes descabeladas.
O que
tanto me fascina na
fotografia não é nem
tanto sua capacidade
para imobilizar um instante
(embora isso também
me fascine), mas o poder
que ela tem de silenciar
as coisas. Drummond,
em referência à poesia,
mencionou seu “poder
de silêncio”.
Pego emprestada a expressão
do poeta e a aplico
também à fotografia.
Ela tem poder de silêncio,
fala por intermédio
do silêncio. Imagem
imóvel, silenciosa.
Eloqüente.
Cada
instante pode ser valorizado.
É preciso saber olhar.
Questão, mesmo, de ponto
de vista. Noutras palavras,
cada instante mereceria
uma fotografia.
A foto
ideal seria uma espécie
de junção de todas as
fotografias de todos
os instantes de todas
as pessoas. O fotógrafo
tem de se contentar
com fatias, com pequenas
imensidões. Para a foto
total, a união das fotos
de todos os lugares,
exibindo o que há aqui
e o que há fora da Terra.
Ainda assim, a foto
ideal não estaria pronta,
pois se há fotografia
houve alguém por trás
da câmera. E quantos
momentos não são registrados
porque não há ninguém
por perto... Além do
mais, seriam necessárias
fotos dos fotógrafos
tirando fotos.
A foto
ideal não perderia um
só segundo de ninguém
nem de nada. Esse instante
dessa hipotética foto
não teria um antes nem
um depois; não deixaria
nada de fora, de modo
que tudo quanto há,
houve ou haverá estaria
registrado. A foto ideal
seria o mais abrangente
silêncio. Seria ao mesmo
tempo engraçada, triste,
bela, feia e plena de
tantas outras coisas
que ainda não foram
nomeadas. A foto ideal
mostraria o micro e
o macro, o lado de dentro
e o lado de fora, o
em cima e o embaixo,
a esquerda e a direita.
Exibiria vidas de outros
lugares, estrelas, luas,
minhocas, canetas, urubus
ou neve.
Uma
foto vive em estado
de agora. Esse estado,
numa foto ideal, seria
bem maior do que o durar
de um clique.
A foto
ideal traria terremotos,
morte de galáxias e
cortes nos dedos. Conteria
ônibus, pergaminhos,
rituais e computadores.
Haveria nela shows de
rock, cenas de amor
e de tédio, o inusitado
e o trivial. Teria de
ter desertos e inundações.
Quais
seriam as cores dessa
foto? Cor de luz ou
cor de breu? Mistura
dos dois? Seria preto-e-branco
ou colorida? Ela se
pareceria com o quê?
Reconheceríamos nela
o ser humano?
Somos
limitados. É por isso
que a foto, para nós,
ideal, é a deste instante.
Fotografemos.