AUÊ 

 

(Publicada em 11 de abril de 1.998) 

Os nomes que darei aos personagens que se seguem não importam. Desconsidere-os. O nome aqui será uma convenção. Os nomes de todos eles serão adereços. Não me pediram para serem poupados; mesmo assim, prefiro não me valer do nome que cada um carrega em sua carteira de identidade.

Era terça-feira, 17 de março. Entre vinte e vinte e trinta. Quatro pessoas estavam na sala, acompanhado pela televisão o noticiário. Todos prestando atenção na telinha. A audiência só seria abalada quando Nara fez, primeiro, uma expressão assustada, para então comentar descontraidamente: “Olha só quem está ali”.

Dona Rita, no sofá, logo tratou de tirar os pés do chão e ficou toda encolhida; Sérgio, o único homem que estava em casa no momento – ou pelo menos o único em condições de travar luta naquela ocasião, pois o filho dele e de Nara tem apenas alguns meses, e estava dormindo –, estilingou para a varanda e de lá ficou acompanhando toda a agitação que tomara conta da sala desde o momento em que Nara havia anunciado a presença de um sapo.

Nem grande, nem pequeno; escondidinho atrás do sofá, no canto. Entrara sorrateiro, discreto, e assim permanecia. Havia encontrado um lugar, uma sala para estar. Lá estava, silencioso como os gatos que circulam pela casa de dona Rita. Ele jamais poderia imaginar que causaria fuzuê.
Ficou nítido que Natália e sua irmã, Nara, não poderiam contar com Sérgio para retirar o sapo. Dona Rita, mãe delas, mostrava-se disposta a permanecer no sofá pelo resto dos dias. Natália e Nara olharam-se uma à outra. Saíram. Natália voltou com um rodo; Nara trazia uma vassoura.

A contenda teve início. Nara tentaria varrê-lo; Natália, com o rodo, tentaria impedir o anfíbio de se enveredar pelos demais cômodos em busca da paz que havia sido interrompida.

Vai daqui, vai dali e dona Rita ia ficando menor e menor; Sérgio esticava o pescoço, vendo o labor de sua esposa. Não tinha como saber quem tinha mais medo de quem. O sapo vacilava, lutava; Nara tentava varrê-lo; Natália se ligava na cena. Nada do que William Bonner falasse poderia fazer com que se dispersassem.

Nara e o sapo. O sapo e Nara. Conseguindo encaixá-lo sob a vassoura, ela o domou. Já na porta da sala, Natália assumiu a operação e acabou de empurrá-lo. O sapo cruzou a varanda e foi ver televisão noutro lugar.

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