Ele acabara
de atuar – na
peça “Ulisses”,
baseada em seu livro.
Fui logo saindo do teatro
lotado, que ficava perto
do hotel. Corri para
lá, na esperança
de chegar antes dele.
Alívio em mim:
passados mais ou menos
vinte minutos, aproximei-me
totalmente sem jeito.
–
Posso falar com você
um minutinho?
–
Pode.
–
Por que a falta de pontuação
no fim de “Ulisses”?
–
Não sei bem ao
certo; foi uma intuição.
Achei que seria bom,
que seria natural. A
gente não pontua
nossos pensamentos,
não é
mesmo? Pintou por aí.
Além do mais,
pode ser bom para aqueles
que estão treinando
leitura dinâmica,
precisamente pela falta
de pontuação.
E mesmo sem a pontuação,
creio eu, o texto é
compreensível.
Assim como em “Finnegans
Wake”.
–
E os palavrões
em “Ulisses”?
–
Nada demais. Coisas
que a gente ouve em
qualquer passeio por
aí. Ou por Dublin.
–
Por que o dia 16 de
junho de 1.904?
–
Vou contar só
pra você. Veja
bem: pegue o 16; agora,
o 1.904; junte-os num
só número;
então teremos
o 161.904; se somarmos
os algarismos, teremos
1+6+1+9+0+4 = 21, certo?
É como já
brinquei: minha obra
só será
compreendida no século
vinte e um. De quebra,
21 é divisível
por 3; gosto de números
divisíveis por
3. O mês é
junho, o sexto mês.
Seis é divisível
por 3. E, finalmente,
é um dia como
qualquer outro.
–
Mas você não
começou tão...
digamos... complicado.
–
É mais uma razão
para que ninguém
se assombre com o “Ulisses”.
O mesmo vale para o
“Finnegans Wake”.
–
Por que as referências
à “Odisséia”
em “Ulisses”?
–
Por tudo. Até
pelo senso de humor
da própria. Posso
dizer que a “Odisséia”
foi o metatexto principal,
mas não o único.
Qualquer texto é
um metatexto.
–
E essa história
de dizerem que depois
de você os romancistas
ficaram sem saída?
–
Papo furado.
–
Eu não sabia
que você era ator.
–
Nem eu, mas gostei de
estar no palco. É
bom sentir na pele que
escrever não
é a única
forma de representar.
Mas estou cansado. Sinto
muito; vou subir. A
propósito, você
já leu todos
os meus livros?
–
Não. Nem o “Ulisses”
e muito menos o “Finnegans
Wake”.