Ventava
muito. Madrugada, 18
de dezembro de 1.997.
O barulho que o vento
produzia, se escrito,
seria a onomatopéia
do terror, do medo.
Enquanto ventava, eu
ficava escutando, imaginando
uma cena de filme de
terror embalada por
um vento terrificante.
De vez em quando ele
dava um tempo, para
depois ventar furioso
e mandar embora qualquer
esperança.
Falaram-me
de uma matéria
veiculada na televisão,
sobre porcos. Segundo
me contaram, os porcos
são um dos animais
mais inteligentes. Há
quem os ache gananciosos,
além de não
suportarem sua sujeira.
Mas é como escreveu
Manoel de Barros: “Besouro
no estrume está
no palácio...”
A convivência
entre homens e porcos
é antiga. “Quanto
ao porco, que tem o
casco fendido mas não
rumina, vós o
considerareis impuro”
(Dt 14, 18). No “Animal
Farm”, segundo
a tradução
de Heitor Ferreira,
lê-se: “As
criaturas de fora olhavam
de um porco para um
homem, de um homem para
um porco e de um porco
para um homem outra
vez; mas já se
tornara impossível
distinguir quem era
homem, quem era porco”.
Na “Odisséia”,
os companheiros de Ulisses
são transformados
em porcos. Numa capa
do Pink Floyd há
um porco no céu.
Na infância, “Os
Três Porquinhos”.
Moro
a duas quadras de um
matadouro. Aquela história
da inteligência
dos porcos, quem ma
contou foi o Manoel.
Não o de Barros,
mas o Almeida, artista
logotípico e
colaborador da imprensa
local. A Deila, namorada
dele, estava conosco
e me perguntou se eu
nunca ouvira o grunhido
desesperado dos porcos,
de madrugada, no matadouro.
Eu disse que não,
mesmo tendo o hábito
de estar acordado até
bem tarde. De acordo
com o Manoel, talvez
os grunhidos fossem
emitidos com tamanha
intensidade devido,
precisamente, à
inteligência dos
porcos, como se eles
soubessem que morreriam
em instantes.
Não
me esqueci dessa conversa
e passei a prestar atenção.
O Manoel estava certo.
De tão assustados,
eles parecem, de fato,
saber o destino fatídico.
Desde então,
escuto-os. Amiúde
eles têm implorado
para serem poupados.
Naquele dia 18, o vento,
os porcos. Tudo era
então desespero.
P.S.:
Terminado o texto, saí
e passei por um motorista
de ônibus. Até
hoje não sei
se ele me ajudara ou
se o trocador errara
mesmo. O último
me dissera para descer
em Lagoa Formosa: meu
dinheiro não
daria a passagem até
Patos de Minas. Já
ia descendo e o motorista
me disse para voltar.
Ainda me arrependo de
sempre ter achado que
ele tinha cara de porco.