UM SONHO DE BICICLETA 

 

(Publicada no Correio de Patos em 18 de outubro de 1.996) 

Sempre achei que andar de bicicleta fosse um feito. Por ter se tornado comum, não lhe damos atenção. Aprender a andar de bicicleta é considerado trivial, pois quase todo mundo aprende. (Equilibrar-se em apenas uma roda, com a evolução da espécie, vai se tornar a regra.)

Lembro-me de que, na infância, eu sonhava estar andando de bicicleta. De um desses sonhos me lembro como se fosse agora. Lembro-me da rua, da bicicleta que me fazia sonhar. Era como se eu estivesse com os pés fora do chão, flutuando sobre a Olegário Maciel, entre a Ouro Preto e a Vereador João Pacheco. Eu me equilibrava, pedalava e desejava ficar sempre assim. Quando acordei, voltei a sonhar que eu podia andar de bicicleta.

O sonho que se sonha quando se dorme nos parece bem mais real que aquele que se sonha enquanto se está desperto. Por isso, uma vez sonhado que estava dominando uma bicicleta, ficara decidido que eu não sossegaria até aprender essa arte.

Do primeiro dia não me esqueço. Afinal, eu estava numa idade em que meus colegas de sala já tentavam andar numa roda só. Foi de supetão. Eu disse que aprenderia e pronto. Numa manhã ensolarada, me deram o primeiro empurrão. Após cuidadosas preliminares, eu me vi montado na bicicleta de minha mãe, conduzindo-a como eu sempre quisera. Mais um sonho tornava-se fato, e daquela vez havia sido um sonho meu, acalentado há muito tempo. Havia chegado então a minha vez, cheia de ziguezagues, tremores, vacilos. Eu não ousava olhar para trás; nem para os lados eu olhava, bem como não arranjava um jeito de dar meia volta e volver. Só o que servia era seguir. Não me preocupava na ocasião com manobras que me tirariam daquele sonho que era conseguir me equilibrar sobre duas rodas, e assim sair por aí.

Quando parei, recordo-me bem, nem estava tão longe do ponto de partida quanto pensara. Voltei empurrando a bicicleta, ansioso para receber mais um empurrãozinho, o que não me foi negado. E tudo foi tão bom, que numa decisão típica de quem não sabe mesmo que está fazendo, me afastei de casa, e fui me afastando mais e mais, entusiasmado por já conseguir fazer curvas. Nas esquinas, caso fosse preciso parar, eu me veria encrencado, por não saber se conseguiria arrancar. Mas isso não importava, e para coroar meu ato inconseqüente, uma prima passou por mim, também de bicicleta, e se mostrou surpresa por me ver às voltas com uma. Foi um contentamento só dizer pra ela que aquelas eram minhas primeiras pedaladas.

Soltou-se a corrente. Pedi a alguém para arrumá-la. Depois, pela primeira vez, consegui arrancar sem empurrão.

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