Não
posso reclamar. Tenho
a chance de aprender
a cada instante. Talvez
devido a uma certa predisposição
para tirar de tudo uma
lição.
Não tenho queixa
disso, pois a vida me
oferece, todo dia, chances
muitas de aprender muito.
Da vida, nada a queixar;
de mim mesmo, algumas
queixas.
Minha
coxa esquerda está
muito cansada. Há
uns seis meses, após
tropeçar em meu
próprio pé,
caí. Ainda em
processo de queda, bati
um músculo da
perna esquerda na quina
afiada de um móvel
antigo. Precisei procurar
ajuda. O médico
me atendeu e disse que,
mesmo após a
melhora, eu teria de
procurar fazer sessões
de fisioterapia, para
que a musculatura da
perna fosse revigorada.
Somente agora comecei
a fortalecer a tal da
perna.
A fisioterapeuta
passa os exercícios.
A princípio,
fáceis, tranqüilos.
Mal os comecei, e uma
pressa de ir embora
já começava
a formigar: impaciência
estúpida. Foi
quando me dei conta
do quanto vivo mal,
com pressa, sem um mínimo
de tempo para me dedicar
principalmente às
coisas que me fazem
ou me farão bem.
Ela ia passando os exercícios.
O que estava moleza
foi ficando difícil,
pesado. As tarefas tinham
de ser cumpridas com
calma, com ritmo. Quanto
mais cansativos iam
se tornando os exercícios
e quanto mais tempo
eu ia tendo de passar
com eles, mais eu ia
sentindo que aquilo
era bom para mim. Aquela
pausa no correr do dia
e aqueles minutos que
eu tive de dedicar às
atividades da fisioterapia
iam me mostrando, mais
uma vez, que meu jeito
de viver não
é bom para mim.
Triste
paradoxo: muitas vezes
me entrego a quem ou
a algo que nem me faz
tão bem assim,
sem raramente me dedicar
ao que será bom
para mim. E o pior:
tenho tempo. Se eu fosse
uma daquelas pessoas
que trabalham mesmo
o dia inteiro e não
têm tempo nem
para dormir direito,
eu até me daria
um desconto. Mas não:
tenho tempo. Se não
de sobra, é tempo
o bastante para que
eu seja maior. Isso
deveria fazer com que
eu tomasse vergonha
na cara e mudasse de
vida.
Eu já
vinha, de alguns dias
para cá, pensando
no assunto. Quantas
coisas faço para
os outros, para as obrigações
burocráticas...
Quantas vezes saio de
casa sem nem escovar
os dentes direito...
Quantas vezes me alimento
mal porque tenho de
correr para não
ser repreendido pelos
patrões... Isso
tudo faço, é
claro, para que eu possa
sobreviver, mas o grande
benefício dessas
correrias diárias
não vai para
mim. E, no tempo que
me resta, corro para
outros lados, dedico-me
à minha preguiça
e à minha letargia,
sem ter comigo a mesma
disciplina que tenho
para com todos os outros
compromissos.
Chega
disso! Preciso ser disciplinado
para aquilo que diz
respeito a meu engrandecimento.
O que já vinha
se insinuando ganhou
vigor graças
ao primeiro dia de exercícios
na fisioterapia. Lição
que veio em boa hora.
Com vagar, rigor, calma
e paciência muito
pode ser feito. Chega
de menosprezar a força
do hábito. De
grão em grão
a galinha enche o papo.
O que está cheio
é meu saco. Passei
a vida inteira tendo
disciplina em coisas
que pouco acrescentaram
em minha vida. Dispêndio
de tempo e de energia
em coisas que só
me causaram cansaço,
decepção
e irritação.
Burrice. Vou dedicar
um tempo a mim mesmo.
Vou me envolver com
o que gosto e mexer
com aquilo que sei que
me fará melhor,
mais vasto. Tenho tempo.
Não posso deixar
de correr para os outros.
Mas vou aproveitar para
mim um tempo para que
eu fique sem correria.
Terrível constatar
ao fim do dia que corri
o tempo todo, fiz tudo
com pressa e não
fiz nada de útil
para mim. Preciso me
livrar dessa incompetência,
desse descompasso e
dessa desorganização
que estão gradativamente
me destruindo.