Tenho
a péssima mania
de ficar guardando as
idéias para um
futuro que nem sei se
virá, à
maneira de quem guarda
uma carta na manga.
Só que em meu
caso, as cartas que
fico guardando para
escritos posteriores
invariavelmente não
são usadas em
tais hipotéticas
obras. Ficam apenas
em minha cabeça,
e muitas já caíram
no esquecimento ou já
foram depositadas no
armazém das coisas
que não merecem
revisitas. É
hora de mudar a história.
Já
li em Luis Fernando
Verissimo digressões
sobre a bola com que
a maioria dos garotos
se envolve. Identifiquei-me
com o texto.
Numa
manhã longínqua,
úmida ainda após
a chuva, eu encontrei
no quintal peças
de um brinquedo. Para
se brincar, deveriam
elas ser encaixadas
uma na outra. Não
sei como esse brinquedo
foi parar no quintal
lá de casa; certo
era que, um tanto desabilitado
para montar coisas,
um dia apanhei uma das
peças e comecei
a jogá-la para
cima. A repetição
desse gesto, sem que
mesmo hoje eu saiba
o motivo, incentivava
minha imaginação.
O tempo passou e a peça
foi substituída
por uma bola, o que
fez com que histórias
mais ousadas fossem
concebidas. Era só
eu começar a
brincar com a bola e
o mundo todo era uma
só cidade, de
modo que as viagens
dos coletivos se pareciam
viagens interestaduais,
por causa dos longos
percursos que deveriam
ser empreendidos. Eu
me imaginava sendo o
motorista de um dos
ônibus. Adorava
o barulho do motor,
o aperto dos passageiros,
a correria no trânsito.
Os ônibus por
mim imaginados muito
se pareciam com os ônibus
em que eu andava quando
morei em Brasília,
ainda garoto, em 1.975,
se não me engano.
Jogando
a bola contra a parede
eu também imaginava
uma partida de futebol.
Disputa improvável,
jogo em que a bola chegava
a ser chutada sete ou
oito vezes na trave,
em poucos segundos.
As decisões eram
sempre entre os dois
mesmos times. Um deles
jamais conseguira ser
o campeão, e
as partidas giravam
em torno das pressões
que o perdedor exercia
até o último
instante, nunca com
êxito.
Precisamos
de algo exterior a nós
para nos tornarmos o
que somos. A bola me
possibilitava isso,
e até hoje não
consegui algo que a
substituísse.
Pode ser que um dia
qualquer eu volte a
brincar com uma, eu
volte a ser o que sou.