DA FAMÍLIA DOS CULICÍDEOS 

 

(Publicada em 8 de outubro de 1.996) 

Temos ainda quase primavera inteira pela frente e o calor já está colocando as manguinhas de fora. Os bares já estão mais movimentados à noite, as pessoas já estão se queixando do calor, as roupas estão sumindo. Chegou a primavera, já já vem o Horário de Verão e, pouco depois, o próprio. “O tempo passa e a gente nem vê”.

Nem só de política vive o homem, e mesmo nessa época em que muito se fala sobre política, a vinda do calor fez com que um espaço para um outro assunto fosse aberto nas rodinhas, nos telefonemas e nos debates: as muriçocas são agora o centro das atenções. No silêncio da madrugada, o ruído que elas produzem se agiganta. Ele começa bem de mansinho, como que vindo de longe. Pouco a pouco o zumbido parece aumentar sua intensidade, aguça-se a audição. Ou tenta-se espantá-lo ou aguarda-se o bote. Pior é quando o ataque vem no plural. Um ou mais de um lado, com uma ou mais do outro, as muriçocas conseguem incomodar a esquerda e a direita. São apolíticas, não se deixam envolver por candidatos nem eleitores.

Há pouco tempo, meu pai, em plena madrugada, não conseguindo dormir, devido à festa que elas promoviam, partiu para o tudo ou o nada. Levantou-se e banhou-se com um perfume de minha mãe. Funcionou como um imã. Na noite seguinte, lambuzou-se com outra essência, verificando assim a repulsa dos bichos.

Nessa história toda, o que mais tenho vontade de saber é para onde elas vão. Se eu soubesse onde elas ficam durante o dia, seria interessante não deixá-las dormir, entoando meu ZZZZZZZZZ, exclusivamente pelo prazer da vingança. De intervalo em intervalo eu as tiraria de seus sonhos, se é que muriçocas dormem. Creio que sim, pois só assim conseguem percorrer a escuridão com tão eloqüente vigor.

Mas não há de ser nada não. Apelarei para os repelentes. Vou deixá-las com água na boca. Confio na ciência. Ah! quão prazeroso será ouvir aquele ruído se aproximando e, pouco tempo depois, escutá-lo voar para longe, cabisbaixo, até que em meu quarto e em meu sono haja somente silêncio e escuridão.

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