Temos
ainda quase primavera
inteira pela frente
e o calor já
está colocando
as manguinhas de fora.
Os bares já estão
mais movimentados à
noite, as pessoas já
estão se queixando
do calor, as roupas
estão sumindo.
Chegou a primavera,
já já
vem o Horário
de Verão e, pouco
depois, o próprio.
“O tempo passa
e a gente nem vê”.
Nem só
de política vive
o homem, e mesmo nessa
época em que
muito se fala sobre
política, a vinda
do calor fez com que
um espaço para
um outro assunto fosse
aberto nas rodinhas,
nos telefonemas e nos
debates: as muriçocas
são agora o centro
das atenções.
No silêncio da
madrugada, o ruído
que elas produzem se
agiganta. Ele começa
bem de mansinho, como
que vindo de longe.
Pouco a pouco o zumbido
parece aumentar sua
intensidade, aguça-se
a audição.
Ou tenta-se espantá-lo
ou aguarda-se o bote.
Pior é quando
o ataque vem no plural.
Um ou mais de um lado,
com uma ou mais do outro,
as muriçocas
conseguem incomodar
a esquerda e a direita.
São apolíticas,
não se deixam
envolver por candidatos
nem eleitores.
Há
pouco tempo, meu pai,
em plena madrugada,
não conseguindo
dormir, devido à
festa que elas promoviam,
partiu para o tudo ou
o nada. Levantou-se
e banhou-se com um perfume
de minha mãe.
Funcionou como um imã.
Na noite seguinte, lambuzou-se
com outra essência,
verificando assim a
repulsa dos bichos.
Nessa
história toda,
o que mais tenho vontade
de saber é para
onde elas vão.
Se eu
soubesse onde
elas ficam durante o
dia, seria interessante
não deixá-las
dormir, entoando meu
ZZZZZZZZZ, exclusivamente
pelo prazer da vingança.
De intervalo em intervalo
eu as tiraria de seus
sonhos, se é
que muriçocas
dormem. Creio que sim,
pois só assim
conseguem percorrer
a escuridão com
tão eloqüente
vigor.
Mas não
há de ser nada
não. Apelarei
para os repelentes.
Vou deixá-las
com água na boca.
Confio na ciência.
Ah! quão prazeroso
será ouvir aquele
ruído se aproximando
e, pouco tempo depois,
escutá-lo voar
para longe, cabisbaixo,
até que em meu
quarto e em meu sono
haja somente silêncio
e escuridão.