Freqüentemente
passo um dia inteiro
com uma canção
na cabeça. Pode
ser uma que eu tenha
acabado de ouvir no
rádio; pode ser
uma que me vem à
mente de repente, sem
mais nem menos. Esteja
eu fazendo o que for,
e lá está
a canção
na cabeça, presente
sem incomodar, dando
o tom sem me deixar
desafinar.
Há
palavras. De repente,
uma surge, e pronto:
fico o dia inteiro com
ela na cabeça,
geralmente tentando
me lembrar onde a li
ou onde a ouvi. Não
me esqueço dela,
que fica sendo repetida
sempre, com veneração.
Assim já foi
com a palavra fornido,
com a centelha. Chego
a pronunciá-las,
numa espécie
de contato carnal com
elas. Digo em voz alta:
mansarda; em seguida,
silencio-me, concentro-me
na palavra, separo suas
sílabas, misturo-as;
leio-a de trás
para frente –
coisa que também
gosto de fazer com os
números.
Hoje,
dezoito de setembro,
a palavra é luzeiro.
Palavra belíssima.
Ela me dominou e quase
tenho certeza de que
a origem dessa súbita
lembrança está
no Gênesis: “Que
haja luzeiros no firmamento”.
(Aliás, firmamento
é outra palavra
formidável.)
Luzeiro vai tomando
conta de mim, faz-me
pensar num Luzeiro do
Sul. Daria poesia, ensaio,
tese, teoria, romance,
crônica, conto,
apontamento, máxima:
a palavra é incentivadora.
Luzeiro é uma
palavra... iluminante.
É luz sobre qualquer
dia, e estou mesmo pensando
em me lembrar dela todos
os dias, numa esperança
de dar banhos de luz
diários em minha
alma. Sei que sempre
que eu parar para pensar
em luzeiro, algo em
mim será melhor.
Luzeiro é palavra
que incita, sugere;
minha abre-te-sésamo:
há tesouros escondidos
em mim que tenho de
“roubar”;
há entradas secretas
que desconheço;
um luzeiro me salvaria.
Há escuridões
incomodantes que jamais
viram luz pela fresta.
Há raios solares
que vêm lá
de longe, driblam nuvens,
encontram passagem através
da janela praticamente
fechada e descansam
na escrivaninha.
Luzirão
meus olhos, assim como
luzem sementes que brotam
e empurram a terra;
Marcel Proust; abraço
pra matar a saudade;
idéia genial;
busca incessante; dom
exercido; Lua cheia;
bondade; “Grande
Sertão: Veredas”;
matemática; Francisca
de Castro Oliveira (minha
tia); erro assumido;
barulho de mar ou de
amor. Sois luz. Luzirei
como vós.