Quando
nasceu, ela era a queridinha
da família, paparicada
até pelo papagaio,
que não enfrentou
dificuldades ao aprender
a falar o nome dela.
Cercada de cuidados
mil, mas sempre frágil,
Ana Rita por pouco não
vem a saber o que é
ser adulto e suas implicações,
por causa de inúmeras
doenças que faziam
com que sua infância
fosse uma sucessão
de corredores de hospitais
e correrias pela madrugada.
Os pais já não
sabiam mais o que fazer,
mas faziam de tudo.
A filha
chegou frágil
à adolescência.
Embora esperta, não
conseguia não
se achar desprovida
de atrativos. Tornou-se
livresca, ensimesmada.
Quis tornar-se escritora,
e logo arriscou a feitura
de um romance que contava
a história de
um homem que jamais
conseguira deixar de
amar sua primeira professora.
Enquanto chafurdava
nas palavras, Ana brilhava
na escola e não
se aventurava num relacionamento.
Terminado
o romance, já
com seus 19 anos, ela
não teve coragem
de mostrá-lo
a ninguém. Guardou-o
na gaveta durante um
pouco mais de um ano,
depois o tornou cinzas,
enquanto cursava mecatrônica.
Após 2 anos,
abandonou o curso, foi
morar na casa de um
tio, no interior do
Paraná. Ficou
lá 8 meses, e
lá sentiu-se
cortejada pela primeira
vez. Por um momento,
quase se rendeu aos
galanteios de um jovem
do local. Ao ser pedida
em namoro, ela disse
não, esmagada
por um milhão
de dúvidas. Por
pouco ele a veria chorar,
e chorar muito, após
se trancar no quarto,
culpando-se.
Voltou
para a casa dos pais,
arranjou um emprego.
Trabalhava num supermercado.
Cabulava as tradicionais
festinhas dos colegas
de serviço. Nas
horas em que precisava
desabafar, pensava em
escrever coisas num
diário, mas tinha
medo de ele cair em
mãos outras após
sua morte. Quando a
barra pesava, ela colocava
“Alucinação”,
do Belchior, num volume
alto e cantava junto,
o que a tornava melhor.
Voltando
do trabalho, ela passou
numa loja e comprou
um vestido que há
muito vinha paquerando.
Jurou para si mesma
que a estréia
seria em grande estilo,
numa das sessões
cinematográficas
do fim de semana, ainda
que estivesse desacompanhada.
Sorriu consigo e apertou
o passo. Na calçada,
um carro sem governo
a atropela. Hoje, ela
não existe mais.