Suas
mãos eram ásperas,
tinham dedos grossos,
assim modelados pelo
trabalho na roça,
que era nítido
nela e naquele que certamente
era seu marido. Os dois
faziam um lanche numa
padaria do centro. Ela
usava um vestido azul,
simples como tudo nela.
Os cabelos brancos eram
lisos e estavam presos.
Ela comia
uma broa. O que me chamou
a atenção
na velha foi a extrema
simplicidade. Para lanchar,
não se valia
de nenhum guardanapo.
Segurava a broa com
os dedos grossos da
mão esquerda,
enquanto ia colhendo
os pedaços e
os colocando na boca.
Nenhuma convenção
e, pareceu-me, alheia
a tudo ali por perto.
Cheguei a ficar com
a sensação
de que ela não
estava à vontade
em meio àquela
barulheira, em meio
àquela correria.
Parecia pedir desculpas
por estar ali. A padaria
estava lotada, e nenhuma
pessoa parecia reparar
na velha da roça.
Eu reparava pelo fato
de ter gostado dela.
Mesmo com toda essa
“independência”,
ela me parecia triste.
Talvez cansada.
Era uma
quarta-feira. Um dos
balconistas parecia
conhecer o marido dela.
Mantinha com ele entusiasmado
diálogo, nos
breves intervalos que
tinha livre. Ela não
olhava para nenhum deles
nem para ninguém.
Tinha a cabeça
baixa, e ia pegando
sem pressa os pedaços
pequenos da broa.
Eu estava
à sua direita,
à mesa mais próxima.
Quando a broa estava
mais ou menos pela metade
ela deu uma olhadela
pelo ambiente. Não
se deteve sobre nada.
Olhando para o lado,
encontrou meu olhar.
Seu rosto não
mudou aquela expressão
triste e algo cansada.
Em poucos segundos tirou
de mim seu olhar e voltou
a desfazer a broa.
Nada
sei dela, a não
ser essas impressões
que relatei, e que podem
estar erradas. O que
importa é que
ela me sensibilizou.
Enquanto eu a observava
amei nela toda uma vida
que me pareceu dedicada
ao trabalho. Ali estava
uma senhora simples,
comendo com maestria
sua broa. Seu corpo
era a conseqüência
de uma vida que me pareceu
difícil, cansativa.
Amei nela a contribuição
que ela deve ter dado
para a vida daqueles
que estiveram com ela;
amei nela a contribuição
que ela deve ter dado
para que a vida prosseguisse
em sintonia. Se a vida
não der certo,
não foi culpa
dela.
Sempre
de cabeça baixa,
levantou-se, seguindo
seu marido. Que vontade
de dizer pra ela o quanto
a admirei, o quanto
ela me deixou inspirado.
Ela se foi, meio
curvada, pernas
tortas...