“Todas
as famílias felizes
se parecem entre si;
as infelizes são
infelizes cada uma à
sua maneira”.
Assim Tolstoi começa
“Ana Karênina”.
Do arrebatador começo,
não me esqueço,
e quando a Simone, redatora
de “O Tablóide”,
pediu-me para escrever
uma crônica sobre
o dia dos pais, logo
me lembrei da frase
de Leon Tolstoi.
Não
sou pai, e toda idéia
que eu tiver sobre a
paternidade virá
de minha experiência
de 26 anos como filho.
Certamente isso explica
o fato de eu apelar
para citações
ao escrever acerca do
dia dos pais. O que
vier, se é que
virá, será
a visão de alguém
que se vale de sua imaginação
e não tem conhecimento
algum do que é
ser pai. “Se meu
filho nem nasceu eu
ainda sou o filho”,
de acordo com a música
do Ira!.
Há
um filme chamado “Minha
Vida”, em que
Michael Keaton interpreta
alguém sabedor
de sua morte que ocorrerá
muito em breve. Prestes
a se tornar pai pela
primeira vez, ele passa
a registrar imagens
suas para que seu filho
possa vê-las,
para que a criança
possa saber como era
o pai dela. Paralelamente,
ele, o personagem de
Keaton, revê a
relação
com o pai, assume que
entre os dois há
coisas que não
foram resolvidas, foram
adiadas, caladas –
o que gerou um distanciamento
e uma certa frieza entre
os dois. Quando se vê
perto da morte, o personagem
de Keaton consegue quebrar
o gelo, aproxima-se
de seu pai ternamente,
disposto a perdoar o
velho; ele consegue
superar velhas mágoas,
assume os defeitos seus,
aceita os dele.
A carapuça
serviu direitinho. Saí
do cinema pensativo,
refletindo em minha
condição
de filho. (Meu pai acabou
de chegar.) Pensei em
adotar uma atitude semelhante
à do personagem
do filme em minha vida.
Até hoje isso
não ocorreu.
Tenho medo de, numa
bela manhã, perceber
que não tive
coragem o bastante para
quebrar o gelo; verificar
que já é
tarde demais. Eu agradeço
a vida que tenho e as
chances que ele me deu,
embora ele não
saiba disso.
Com relação
à árdua
tarefa daqueles que
se propõem a
ser pai, cito Artur
da Távola, de
sua “Oração
do Pai Contemporâneo”:
“Às vezes,
Pai, penso em não
interferir. Deixar o
que há neles
de seu, de atávico,
hereditário e
intransferível
ir ensinando. Mas venho
de um tempo em que ficou
moda deixar a criança
entregue a si mesma
‘para não
frustrar’. Vi
esses meninos ‘sem
frustração’
crescidos, afundando-se
na desagregação,
berrando solidão,
e o ‘me protege,
pai’, ‘me
protege, mãe’,
disfarçados em
agressividade, autodestruição
e negação
sem afirmação
compensatória”.